segunda-feira, 29 de março de 2010

Fui de bicicleta mesmo

Fui de bicicleta mesmo. A primeira puxada já deu o tom. Do alto da Hermenegildo, onde chegara a pé havia alguns dias, sai com a magrela, pedalando acima. Comecei a entender as dificuldades possíveis, embora não consiga precisar porque mantive em mente que, de alguma forma, seria fácil. E subia. Lembrava de leve do cigarrinho tragado, minutos antes, num rasgo de ousadia. E subia. Até o Curvelo foi o custo. Sabe-lo começou a compensar a ousadia com alguns pequenos medos. Mas tudo fluiu a contento. E fui. Do Curvelo ao Silvestre, Santa Teresa inteira, ali exposta em cima daquele morro, de dentro daquelas casas, debruçada das janelas. Era um poente poético. O transe. Alguns laivos de beleza absurda escapavam das árvores densas. O mar de jaqueiras fogosas invadia o asfalto com fúria de cheiro outro que não gasolina. E os carros passando sobre o escarro de vida que é o fruto despedaçado no chão. Concede-lhe a fresta, qu’ele há de nascer. Nascer jaqueira, de rasgar concreto com as pernas e exalar a tensão adversa daquilo que de si apodrece para voltar à vida. Duvidei, mas fui subindo. Dali procurei as placas, e tinha mesmo a sensação de estar próximo. Não estava, mas fui subindo. Começava a ponderar que descer seria uma delícia. Como foi, de fato. Mas ainda não podia saber. Precisava chegar, e cheguei a apostar comigo. Quem sabe, sequer botar os pés no chão. Mas pus, na indecisão da estrada, bifurcante e translocada, de um lugar confuso. Ali perdi um pouco a aposta. Pensava que não poderia retomar sem voltar alguns passos. Mas me concentrei e consegui. E foi bom. Por que, dali, não parei. E fui subindo. Não comentei tanto quanto queria a Santa. E ela é linda, de se querer lá morar. Com ela, nela. Sem mais ninguém. Isso tudo, e eu ia indo, como sempre subindo. Novos momentos de pensar em parar. Diminuía muitíssimo o passo, o compasso que me pedala ladeira acima. E eu indo, subindo. Devagar, mas sempre. Via Cristo. Ele não me via. Via o mar. Eu via mato. E ia, subindo.
    Houve momento de hesitação frente a turba de turistas distantes ou não que queriam não só ver, mas que o Cristo os visse. E iam subindo. Eles de trem, eu de bicicleta. Ia bem, subindo. Desviei de todos os carros, que até então também vinham subindo, mas congestionavam-se num mesmo querer de um espaço pouco para tantos roncos e trocos e importâncias. Era um momento importante. E eu estava próximo, embora ainda subindo. Ia e a música veio. Uma cancela cancelava os carros e o veículo mais rápido chegamos a ser: eu e a bike. Coisa só, que subia. E a música dentro dos ouvidos vazios, esvaziando a cabeça cheia. Musica pra si guardada, que move o homem em suas manias. As más, as médias e as melhores manias. Todas copulando e sorrindo e dizendo o que querem umas para as outras. Multidão de mitos que nos povoa. Clareia consciência, conhece. Carinho carcará. Caminho, camará, compadre leva eu. E eu vou. Subindo. Só com a bicicleta e o esforço contínuo, embora variável em intensidade, ímpeto e depuração. Tudo no mesmo dom. Somando. Construindo junto. Tudo pra subir. Chegava a cantar pra subir. E ia. Subindo.
Até que lá cheguei. Havia água. Fui nela. Eu nela. Era maga, mas fria. Massagens se iam, só dela em mim. Eu nela, um detalhe. Estava molhado e, inundado, cedia. Tremia. Era frio. Pulava. Era sapo. Partia. Descia.

    A santa, os trilhos, os freios e o poder da velocidade nas mãos. Algo de pegar pelo fio. E depender do equilíbrio que ainda não tem para não cair.
    E não cair.
    Desce na classe, mas vence...

    A gente.

Em 04 03 2008

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