quarta-feira, 3 de março de 2010

Educação privilegiada e emoções gratuitas

Sabe aquele negócio de chorar com comercial, morrer de rir de uma cena banal, ou inflamar-se por conta de discussões em torno de futebol, política ou religião? Pois é, a gente se emociona com cada coisa.

Comigo, há pouco tempo, aconteceu com uma National Geografic. Assinei a revista com o intuito de colorir o meu futuro banheiro e deixar sempre à mão, para os momentos de necessidade, umas informações praticamente irrelevantes, umas fotos bonitas, e alguns textos pequenos que fornecessem a salvadora distração para o tédio inevitável de um eventual bloqueio. No começo, lia as revistas quase inteiras, até pela aversão aos textos científicos que já comentei por aqui.

Assim, numa das edições, me dei conta de uma fina ironia. Sempre naquela maneira rasa de abordar fatos deveras interessantes, li, numa mesma revista, duas matérias sobre realidades muito distintas e, aparentemente, sem nenhuma conexão. Enquanto uma versava sobre a interminável guerra civil na Somália, a outra discorria sobre os imensos painéis solares que os países desenvolvidos instalam sobre áreas cada vez maiores e com tecnologias cada dia mais refinadas. Caríssimos ainda, mas popularizando-se... Por lá, claro!

O que me espantou, no caso, foi me dar conta da falta crônica de percepção que praticamente todos temos, de que vivemos em um só mundo. Que, ainda que a contragosto, precisamos urgentemente reconhecer que os famélicos da somália são igualmente humanos. Que a manutenção de uma guerra civil por mais de 20 anos, devido aos interesses inconciliáveis que se embatem na região, com benefício exclusivo das produtoras de armamentos, provavelmente americanas, não poderia passar - para ninguém! - como mais uma reportagem ruim da National Geografic! E mais: que é inconcebível que os somali precisem estar numa situação dessas, enquanto a Espanha pode dedicar seus excedentes (outro conceito confuso! Como pode haver excedentes se há tanta carência? Alguém está fodendo alguém! E sempre rola, eu sei, mas é muito!) à instalação de enormes painéis solares... E estranho como naturalizamos, seja para o indivíduo, seja para as nações, que 'equívocos', nem sempre deliberados, devam condenar alguns à miséria irreversível e viabilizar a ostentação de outros.

Não acho que deva ser todo mundo igual, até acredito em talento... Mas me parece mais que urgente que a linha da dignidade seja generosamente elevada e que seja intolerável, para qualquer sociedade, que qualquer pessoa (de qualquer outra sociedade, afinal, a globalizaçao serve para què?) fique abaixo dela. E quem quiser ser superstar, que parta daí, como todo mundo, para onde bem entender!

Costumava defender que o capitalismo é o único caminho possível (ao menos por ora) e cobrar de meus amigos 'revolucionários', no mínimo, uma previsão de como as coisas passariam a funcionar em caso de perturbação violenta ou ruptura do Sistema. Sempre pensei que a crueldade que mantém nossos irmãos africanos - e mesmo nós, latinos - ainda hoje padecendo por conta de uma introdução unilateral e cruel dos conceitos de 'civilidade' (que precisamos comprar, ou morrer recusando), era a única maneira de termos as benesses que, sem dúvida, construímos nessa forma maluca de organizar os esforços e prioridades. Mas hoje, já penso diferente... Assim não dá... Assim não está bom! Talvez, enfim, o pouco conforto que tenho, pela sorte de nascer onde nasci, não valha a pena de tantos outros que vivem pior do que eu. Mas vá propagar isso por aí, que já te perguntam se você quer oferecer a outra face para o próximo tapa. Ao que anelam discussões sobre mérito, e a estagnação retrógrada da paz pura e simples.

É aquela estória... Internet é muito bom, é genial, mas, se cada usuário pudesse ter um vislumbre do massacre que o 'Sistema' se utiliza para que ela seja possível e esteja disponível para nossa minoria, talvez pudéssemos pensar um pouco diferente... Que cada um pudesse ter uma experiência vívida da realidade dos escravos asiáticos das multinacionais, aos trabalhadores cariocas que precisam desviar de balas ou assistir a shows de drogadicção enquanto voltam para casa, às vezes com seus filhos pequenos. Mas se para os cabeçudos é muito difícil pensar nisso (e mais ainda vivenciá-lo), imagina para quem tá com tudo em cima? Melhor blindar os vidros fumê do carro, erguer cercas elétricas sobre os muros altos, e pagar a qualquer um para ter algum tipo de segurança... Dando sorte, não se precisa ver muito mais do que uma favela gigante debruçada sobre um morro, e reclamar vagamente sobre o assalto à paisagem.

Não chego a me achar um gênio por pensar em coisas assim. Mas fiquei muito feliz de ter esse tipo de compreensão, e me senti atento para as sutilezas da forma como tomamos conhecimento das coisas, das realidades alheias. Triste é ver tamanho esforço em inserir as pessoas na educação formal, inclusive incentivando por meio de bolsas a permanência das crianças pobres na escola, e assistir aos mais esclarecido profissionais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e SOCIAL do Brasil acreditarem que qualquer tentativa de distribuição de renda seja um descalabro, mesmo no nosso país, onde praticamente todo mundo sonha com ao menos a metade da renda per capta. Triste também vê-los criticando abertamente a realização de eventos de grande porte, como as olimpíadas e a copa do Mundo, simplesmente por conta da corrução endêmica com a qual são condescendentes... Não quero aceitar-me pior que ninguém e, apesar do desejo vigoroso de percorrer o mundo, tenho muito orgulho do meu país. E assisto com desespero a maior parte dos que têm nas mãos o poder de reverter a nossa falta de soberania, assistirem ao Jornal Nacional e dar até boa noite para o Willian Bonner. Agradecer a ele pela iluminação!

Que fiquem com todo o ouro que arrancaram daqui. Que até mesmo fiquem com os lucros de todo o dinheiro que acumularam com o esgotamento de nossas terras, através da nossa aparentemente eterna vocação agrícola. Podem ficar até mesmo com o monopólio da produção de cerveja do país. Não nos importamos. Ficamos aqui com nosso cascalho, nossos desertos, e a nossa sede. Mas que daqui pra frente, nos deixem em paz, nos larguem à nossa sorte... Que, principalmente, nos respeitem!

Porque, ademais de brasileiros, somos tão humanos quanto o povo do norte ou os somali. E merecemos algum respeito.

3 comentários:

  1. Ouviram do IPiranga as margens plácidas
    DE um povo heróico o brado retumbante
    E do sol da liberdade em raios fúlgidos
    Brilhou no céu da Pátria nesse instante

    Se o penhor dessa igualdade
    Conseguimos conquistar com braço forte,
    Em teu seio , o liberdade,
    Desafia o nosso peito a própria morte !

    O Pátria amada,
    Idolatrada
    Salve ! Salve!

    Brasil de um sonho intenso, um raio vívido
    DE amor e de esperança a terra desce
    SE em teu formoso céu risonho e límpido
    A imagem do cruzeiro resplandece

    GIgante pela própria natureza
    ÉS belo, és forte, impávido colosso
    E teu futuro espelha essa grandeza ,

    Terra adorada
    ENtre outras mil
    ÉS tu Brasil
    Ó PÁTRIA amada !

    Dos filhos deste solo és mãe gentil,
    Pátria amada
    Brasil !

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  2. às vezes pensamento - talvez mais sensação - parecido bate forte pra mim também.
    só acabo em dramas de baratas.

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  3. Ha! A falsa modéstia!!! Ademais as baratas sobreviverao as eventuais ecatombes...

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