terça-feira, 30 de março de 2010

Taxi!


Dei-me ao luxo de um taxi. Do contrário andaria bastante com uma mochila e um violão às costas. Já entrei dizendo que não tinha dinheiro. O motorista, sabe-se lá porque, simpatizou. Principalmente quando pedi que passassemos por um caixa eletrônico, e que sugerisse o melhor caminho. Do que, ao dizer, concordei: excelente. Ele gabou-se e fez-se serelepe com sinais e algumas regras de trânsito. Saiu esquisito do posto onde paramos, e avançou sobre o cruzamento subsequente... Seguiu em frente, quando era o caso de virar, ainda que para mais longe do destino por conta da orientação das mãos. Prestimoso, poupou a volta cruzando a avenida, logo depois de um ônibus que seguia no sentido oposto... Atravessando a rua, para onde íamos clandestinos, o casal. Que assustou-se, e chegou a xingar baixinho, mas saiu ileso de nossa pressa e nossos desvarios. Ele então bateu com o cotovelo no meu, sem largar o volante, e sussurou algo. Riu de nervoso, tentou retratar-se em palvras, sem muito sucesso. Chegamos mais cedo, deveras. Ele desprezou os centavos que dei para alcançar a marcação precisa do taxímetro. E inocentou-se assim.

A pressa

Dia desses, atropelei uma senhora. Estava a pé, por sorte. E a senhora era sólida, pra minha tranquilidade.
Olhava para o outro lado da rua. Vinha no pique, trotando. Correndo por trás do ônibus, dentro da rua, pra evitar o ritmo de romaria que acomete a imensa maioria das pessoas.
Quando vi, era tarde. Acho que ainda tentei segurá-la. Tenho quase certeza que não consegui, ainda que talvez tenha amortecido a queda. As pessoas, já escandalizadas, murmurando mandingas contra minha conduta absurda: derrubar a senhora com a brutalidade do peito.
Não me fiz de cretino. Clamei, cedo, por Deus. Abandonei por um instante a pressa para ajudar a mulher, que já levantava. Levantei-a num susto. E orei por meu destino em voz alta, buscando perdão. Olhava-a nos olhos enquanto passava a mão por seu braço molhado embora aparentemente são. Pedi desculpas de todas as formas que conheço e, quiçá, o povo que sequer ajuntava, inclusive, já simpatizasse comigo e comentasse, cada um para si, que esta vida afobada que escolhemos tem seus percalços.
Engoli a multidão de desculpas para ouvir o que me dizia a senhora: "estamos, os dois, com pressa, meu filho. Só isso". Eu, que já tremia, quase chorei... E segui em direção à barca, ainda a tempo. Corri mais, claro. Mais atento, certamente.
E pensava no restinho de caminho: tenho que mudar... Mas, mudar o quê? Não sabia! Afinal estamos, praticamente todos, atrasados para algo. A vida urge, ruge a urbe. E a gente, simplesmente, aceita. Se deixa levar.
Se preciso, até rezo pra que a tal senhora esteja bem. Mas já passa de meia-noite... Tenho que trabalhar amanhã e talvez precise ficar para escrever. Amanhã devo sair correndo, mais uma vez... Que as senhoras tomem outro rumo.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Curiosidade mata a gente...

Legal essa coisa de ter um mapa mostrando de onde partem os acessos ao blog. Me sinto especialmente cosmopolita ao ver o mundo coalhado de pontos vermelhos...

Mas quem diabos sera o indiano que acessou uma vez ao blog??

Perdido, certamente... Deve, inclusive, ter pensado que ancorou em Portugal quando intuiu que se trata do portugues o que aqui se escreve... 500 anos depois, a historia se repete!

Fui de bicicleta mesmo

Fui de bicicleta mesmo. A primeira puxada já deu o tom. Do alto da Hermenegildo, onde chegara a pé havia alguns dias, sai com a magrela, pedalando acima. Comecei a entender as dificuldades possíveis, embora não consiga precisar porque mantive em mente que, de alguma forma, seria fácil. E subia. Lembrava de leve do cigarrinho tragado, minutos antes, num rasgo de ousadia. E subia. Até o Curvelo foi o custo. Sabe-lo começou a compensar a ousadia com alguns pequenos medos. Mas tudo fluiu a contento. E fui. Do Curvelo ao Silvestre, Santa Teresa inteira, ali exposta em cima daquele morro, de dentro daquelas casas, debruçada das janelas. Era um poente poético. O transe. Alguns laivos de beleza absurda escapavam das árvores densas. O mar de jaqueiras fogosas invadia o asfalto com fúria de cheiro outro que não gasolina. E os carros passando sobre o escarro de vida que é o fruto despedaçado no chão. Concede-lhe a fresta, qu’ele há de nascer. Nascer jaqueira, de rasgar concreto com as pernas e exalar a tensão adversa daquilo que de si apodrece para voltar à vida. Duvidei, mas fui subindo. Dali procurei as placas, e tinha mesmo a sensação de estar próximo. Não estava, mas fui subindo. Começava a ponderar que descer seria uma delícia. Como foi, de fato. Mas ainda não podia saber. Precisava chegar, e cheguei a apostar comigo. Quem sabe, sequer botar os pés no chão. Mas pus, na indecisão da estrada, bifurcante e translocada, de um lugar confuso. Ali perdi um pouco a aposta. Pensava que não poderia retomar sem voltar alguns passos. Mas me concentrei e consegui. E foi bom. Por que, dali, não parei. E fui subindo. Não comentei tanto quanto queria a Santa. E ela é linda, de se querer lá morar. Com ela, nela. Sem mais ninguém. Isso tudo, e eu ia indo, como sempre subindo. Novos momentos de pensar em parar. Diminuía muitíssimo o passo, o compasso que me pedala ladeira acima. E eu indo, subindo. Devagar, mas sempre. Via Cristo. Ele não me via. Via o mar. Eu via mato. E ia, subindo.
    Houve momento de hesitação frente a turba de turistas distantes ou não que queriam não só ver, mas que o Cristo os visse. E iam subindo. Eles de trem, eu de bicicleta. Ia bem, subindo. Desviei de todos os carros, que até então também vinham subindo, mas congestionavam-se num mesmo querer de um espaço pouco para tantos roncos e trocos e importâncias. Era um momento importante. E eu estava próximo, embora ainda subindo. Ia e a música veio. Uma cancela cancelava os carros e o veículo mais rápido chegamos a ser: eu e a bike. Coisa só, que subia. E a música dentro dos ouvidos vazios, esvaziando a cabeça cheia. Musica pra si guardada, que move o homem em suas manias. As más, as médias e as melhores manias. Todas copulando e sorrindo e dizendo o que querem umas para as outras. Multidão de mitos que nos povoa. Clareia consciência, conhece. Carinho carcará. Caminho, camará, compadre leva eu. E eu vou. Subindo. Só com a bicicleta e o esforço contínuo, embora variável em intensidade, ímpeto e depuração. Tudo no mesmo dom. Somando. Construindo junto. Tudo pra subir. Chegava a cantar pra subir. E ia. Subindo.
Até que lá cheguei. Havia água. Fui nela. Eu nela. Era maga, mas fria. Massagens se iam, só dela em mim. Eu nela, um detalhe. Estava molhado e, inundado, cedia. Tremia. Era frio. Pulava. Era sapo. Partia. Descia.

    A santa, os trilhos, os freios e o poder da velocidade nas mãos. Algo de pegar pelo fio. E depender do equilíbrio que ainda não tem para não cair.
    E não cair.
    Desce na classe, mas vence...

    A gente.

Em 04 03 2008

Velharias poéticas III

Reflexões abstratas.

Pratico devir abrasivo vidrado na brasa do cigarro e sua verve quente. A cabeça, sendo carregada por um travesseiro de formigas, arrasta o corpo e sua solicitude, solicitando aos solidários que se neguem a ajudar; que a deixem estar vagando, inerte em parte, sobre aquelas minúsculas vontades. Toda a volitude submersa na vala dos padrões, patrões e um pouco de pão. Circo jamais.
Seriedade sincera. Habitat urbano. Comedimento maduro. Babaquice ordeira. Bebida social. Vigor casual. Virilidade oportuna. Empreendedorismo! Tudo isso é Deus.

Árido, descasco o vitral, guardando cada lâmina; com muitas delas forjando espadas, com outras tantas cerzindo couraça... Armas que me protegem das armas alheias.
Cada um com sua capa de escamas.

Trocar de pele precisa-se.

    Depois, dar um passo atrás para, vendo mais de longe, decifrar o mosaico e descobrir: nele não existe casca, mar de partículas que é. Vital. As muitas brechas brilham daqui. Pode-se mergulhar certeiro. Então, atravessar o fardo, as armas, as armaduras... E encontrar a luz.

    Simples assim!

Velharias poéticas II

Arrisco uma carta. Mais uma noite insone. Noite que encerra em si uma coisa densa, quase pegajosa: no escuro traça-se um pensar táctil, discreta fumaça de incenso a refletir a lua. Essa, toda azul, sorve o fluxo – delicia-se. Despeja tons, não tão sonoros – um diapasão de luz.
    Ondas irradiam, preguiçosas. Meros pensamentos, que flutuam frouxos; ou tornam-se arredios rente aos azulejos, onde reverberam, inter-amplificando-se e escoando muro acima.
    Paredes: inertes obstáculos que obrigam a maré a dar voltas para alcançar suas metas. Uma linha reta e seu imediatismo nato nos levariam até lá com muito menos do tempo – que, tão pouco, temos – para cruzar as eras e aparar as heras, melhor passeando pelo jardim algum.

    Ícones solícitos, símbolos, signos. O sono que não vem. Hotel dos olhos, uma tela se expressa. Na boca, um balde de saliva seca. No ouvido o vão ventilar das pás e os estalos do teclado percutido, seguindo um fio de assunto cerzido pelos dedos, seus dedais e idéias ideais. Idéias comuns também, claro. Muitas delas.

Só no corpo, um oco vazio... de um silêncio absurdo!

    Menos mal do que ter maus sonhos, pesados pesadelos de quem adormece temendo até travesseiros.

Velharias poéticas I

    O grito de angústia discorre, descrito, por linhas a fio. Um urro grotesco, que mostra-se poesia. Pessoas-prosa não acreditam: contam, medem, meditam; lêem, oram, recitam... Metas, manias e maneiras mantidas, sempre, em má minoria!
    Precisa-se fazer amor com as mães. Dependemos disso para estar aqui.
Que alguém dependa de mim! Todas merecem: minha mãe, minhas avós... Minhas bisas, se estivessem vivas, embora viúvas...
    Nós somos: emaranhado abstrato de matéria que, apesar da consistência, ilude. Irmãos humanos. Uns mais, uns menos.
    Tenho três. Tive dois. Antes, um. Primeiro nenhum. Era só. Eu e a paz dos pais. Paz?
    Era um. Eras depois, somos quatro, e não seremos mais se as mães não quiserem!
Rotina e cidade: mais um dia de idade depois de cada noite. Faz-se fundamental otimizar a produção nos sonhos. Ou então nos deixem acordados para mais e melhor viver. Ficaremos acostumados a servir, alcançar e superar objetivos... alheios............

    Alheios... Atol........... Atoleiro...................
    Lama, muita lama.......................................

    E nós dentro. Um nó.
   
    Ou mar...

    Azul... Azulejo........... Luz..........................
    Lama é luz!

    E nós estamos dentro, num nó!

    Objetos que compram objetos.
    Abjetos.

    Hipóteses agudas da ironia forjada com ferro inglês: assa-se o aço, sem sucesso. Gargalha-se seco e patético, mal sentado em alguma cadeira, que devolve em dobro o peso que sobre ela pesa, gerando pontuais desconfortos.
   
    Hipnótico para o hipopótamo, o boiar melancia só se torna possível quando rolam-lhes. O boiar-pessoa é possível por cabeças, troncos e membros, continentes de um pulmão que é ar – elemento esparso quando comparado à água, e denso quando comparado ao vácuo – e, por isso, flutua. Pessoas, bóias, lixo, óleo: coisas que não querem saber de profundidade aquática!

    Filosofias polemicistas, polis pura, urbe arrogante, mundo mala.
Meios de transporte: tele, vale, táxi, viação canela, coche, charrete, colo, cela, esteira, coletivo, escada, elevador..
    Tudo de um jeito que não poderia ser diferente, se diferente não fosse.
    Cada um com sua coisa. Vê, ouve, cheira, toca, lambe e engole... Sente. Intui, talvez.
    Tem muito pedaço. Cada um com o seu.
    Cada casa um caso.
    Cadafalso verdadeiro:
    Todos de si prisioneiros!
    Dorme-se em pé em Paris. Já para parir se deita, porque assim a religião nos dita!

sexta-feira, 26 de março de 2010

Aqui nao tenho acento

Ja é sexta-feira, e inicio meu 5° dia em Buenos Aires. E eu ainda nao consegui deixar de ficar surpreso a cada vez que me dou conta de como tem gente no mundo. Cada perspeciva, cada foco de consciencia, com sua vivencia especifica. Milhoes de particularidades para cada um. Ainda me falta conhecer a Asia, a Europa, a Africa e a Oceania, alem de muitos de nossos vizinhos e, da America do Norte, tudo aquilo que tem acima da Cidade do Mexico. E ja me contento em peceber apenas vestigios, ciente de que, se passo pela rua vizinha, deixo de ver infinitas coisas. Ademais, percebo tambem que o meu jeito calado, essa inseguranca (que imagino ter herdado de minha mae, por mais que ela lide de forma completamente diversa com a dela), essa inibicao cronica de nao ser perfeitamente compreendido, sabendo da impossibilidade desta compreensao, tambem atrapalha bastante o contato com o material de minhas conclusoes. Começo a acreditar que a complexidade de tudo e muito mais simples do que parece. E viver com fluidez nao demanda mais do que uns poucos detalhes.

A culpa, afinal, deve ser desses sujeitos que admiro, que me fazem querer ter algo deles, sem a convicçao necessaria para tal.

Ja gosto de minhas musicas, muitas delas me divertem. Mas me faltam, talvez em medidas identicas, o refino de um Moacir Santos, a rudeza assumida dos Ramones e a poesia absoluta de Chico Buarque.


Gosto tambem de muito do que escrevo. Relendo algumas de minhas coisas, as vejo dignas de... um blog! Mas, na cronica curta e arrebatadora, quem me dera ter um que de Galeano e escrever ao menos um 'caderno de notas dos abraços'; seria um sonho saber metade das palavras que sabia Guimaraes Rosa, e ter um decimo de sua imaginacao para nomes; na verdade, ja ficaria satisfeito em ser didatico como qualquer autor de livros de auto-ajuda.

Sinto a perfeiçao das coisas com nitidez, e me volto para dentro, procurando vestigios desa perfeiçao em mim. Mas talvez ela esteja aqui do lado de fora mesmo...

terça-feira, 9 de março de 2010

Exercício da verborragia

Este espaço serve para que eu mantenha o hábito da escrita. Desde as cartinhas para os primeiros amores, passando pelas poesias que consumiam meus cadernos de trás pra frente (enquanto as matérias para que haviam sido comprados estagnavam ainda nas primeiras folhas), atravessando a torrente de e-mails com a Manu, através da qual me apaixonei, sempre gostei de escrever... Ainda hoje, aos trinta, sonho em trabalhar com isso um dia.

Mas preciso controlar minha verborragia. Dizer mais, com menos. Sintetizar emoções, descrições do momento. Tornar tudo mais vasto, mais rico, quiçá mais simples, porque não quero sofrer a dupla rejeição do mestiço de índio que inventou o Brasil (que já não era reconhecido como igual pelos membros da tribo da mãe, nem como filho legítimo do português que a emprenhara), sendo renegado ao mesmo tempo por intelectuais e leitores casuais de assuntos de blog. Afinal, eu não "axo" nada, nem tenho muito a dizer sobre o sexo dos anjos e me entrincheiro, cada vez mais, nessa posição de gosma ética, sem posição definida para praticamente nada.

Me assustei com isso pela primeira vez no último fórum social mundial que participei, ainda nesse ano de 2010. Haviam os hippies, o rappers, os engajados em qualquer coisa, as boiadas politizadas... E eu... Eu estava lá. Acompanhado só do meu irmão Ricardo, sem nenhuma convicção em nada... Da música aos atos, eu era nada. Mas era algo sendo nada.

Logo, é fundamental usar esse blog para definir, não só a maneira como escrevo, mas quais são os assuntos que me tocam... E eu tô me achando prolixo em demasia...

Em suma, atirem-me os ovos e os tomates. Que a fome é grande, e uma omelete cairia bem demais!

quarta-feira, 3 de março de 2010

Educação privilegiada e emoções gratuitas

Sabe aquele negócio de chorar com comercial, morrer de rir de uma cena banal, ou inflamar-se por conta de discussões em torno de futebol, política ou religião? Pois é, a gente se emociona com cada coisa.

Comigo, há pouco tempo, aconteceu com uma National Geografic. Assinei a revista com o intuito de colorir o meu futuro banheiro e deixar sempre à mão, para os momentos de necessidade, umas informações praticamente irrelevantes, umas fotos bonitas, e alguns textos pequenos que fornecessem a salvadora distração para o tédio inevitável de um eventual bloqueio. No começo, lia as revistas quase inteiras, até pela aversão aos textos científicos que já comentei por aqui.

Assim, numa das edições, me dei conta de uma fina ironia. Sempre naquela maneira rasa de abordar fatos deveras interessantes, li, numa mesma revista, duas matérias sobre realidades muito distintas e, aparentemente, sem nenhuma conexão. Enquanto uma versava sobre a interminável guerra civil na Somália, a outra discorria sobre os imensos painéis solares que os países desenvolvidos instalam sobre áreas cada vez maiores e com tecnologias cada dia mais refinadas. Caríssimos ainda, mas popularizando-se... Por lá, claro!

O que me espantou, no caso, foi me dar conta da falta crônica de percepção que praticamente todos temos, de que vivemos em um só mundo. Que, ainda que a contragosto, precisamos urgentemente reconhecer que os famélicos da somália são igualmente humanos. Que a manutenção de uma guerra civil por mais de 20 anos, devido aos interesses inconciliáveis que se embatem na região, com benefício exclusivo das produtoras de armamentos, provavelmente americanas, não poderia passar - para ninguém! - como mais uma reportagem ruim da National Geografic! E mais: que é inconcebível que os somali precisem estar numa situação dessas, enquanto a Espanha pode dedicar seus excedentes (outro conceito confuso! Como pode haver excedentes se há tanta carência? Alguém está fodendo alguém! E sempre rola, eu sei, mas é muito!) à instalação de enormes painéis solares... E estranho como naturalizamos, seja para o indivíduo, seja para as nações, que 'equívocos', nem sempre deliberados, devam condenar alguns à miséria irreversível e viabilizar a ostentação de outros.

Não acho que deva ser todo mundo igual, até acredito em talento... Mas me parece mais que urgente que a linha da dignidade seja generosamente elevada e que seja intolerável, para qualquer sociedade, que qualquer pessoa (de qualquer outra sociedade, afinal, a globalizaçao serve para què?) fique abaixo dela. E quem quiser ser superstar, que parta daí, como todo mundo, para onde bem entender!

Costumava defender que o capitalismo é o único caminho possível (ao menos por ora) e cobrar de meus amigos 'revolucionários', no mínimo, uma previsão de como as coisas passariam a funcionar em caso de perturbação violenta ou ruptura do Sistema. Sempre pensei que a crueldade que mantém nossos irmãos africanos - e mesmo nós, latinos - ainda hoje padecendo por conta de uma introdução unilateral e cruel dos conceitos de 'civilidade' (que precisamos comprar, ou morrer recusando), era a única maneira de termos as benesses que, sem dúvida, construímos nessa forma maluca de organizar os esforços e prioridades. Mas hoje, já penso diferente... Assim não dá... Assim não está bom! Talvez, enfim, o pouco conforto que tenho, pela sorte de nascer onde nasci, não valha a pena de tantos outros que vivem pior do que eu. Mas vá propagar isso por aí, que já te perguntam se você quer oferecer a outra face para o próximo tapa. Ao que anelam discussões sobre mérito, e a estagnação retrógrada da paz pura e simples.

É aquela estória... Internet é muito bom, é genial, mas, se cada usuário pudesse ter um vislumbre do massacre que o 'Sistema' se utiliza para que ela seja possível e esteja disponível para nossa minoria, talvez pudéssemos pensar um pouco diferente... Que cada um pudesse ter uma experiência vívida da realidade dos escravos asiáticos das multinacionais, aos trabalhadores cariocas que precisam desviar de balas ou assistir a shows de drogadicção enquanto voltam para casa, às vezes com seus filhos pequenos. Mas se para os cabeçudos é muito difícil pensar nisso (e mais ainda vivenciá-lo), imagina para quem tá com tudo em cima? Melhor blindar os vidros fumê do carro, erguer cercas elétricas sobre os muros altos, e pagar a qualquer um para ter algum tipo de segurança... Dando sorte, não se precisa ver muito mais do que uma favela gigante debruçada sobre um morro, e reclamar vagamente sobre o assalto à paisagem.

Não chego a me achar um gênio por pensar em coisas assim. Mas fiquei muito feliz de ter esse tipo de compreensão, e me senti atento para as sutilezas da forma como tomamos conhecimento das coisas, das realidades alheias. Triste é ver tamanho esforço em inserir as pessoas na educação formal, inclusive incentivando por meio de bolsas a permanência das crianças pobres na escola, e assistir aos mais esclarecido profissionais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e SOCIAL do Brasil acreditarem que qualquer tentativa de distribuição de renda seja um descalabro, mesmo no nosso país, onde praticamente todo mundo sonha com ao menos a metade da renda per capta. Triste também vê-los criticando abertamente a realização de eventos de grande porte, como as olimpíadas e a copa do Mundo, simplesmente por conta da corrução endêmica com a qual são condescendentes... Não quero aceitar-me pior que ninguém e, apesar do desejo vigoroso de percorrer o mundo, tenho muito orgulho do meu país. E assisto com desespero a maior parte dos que têm nas mãos o poder de reverter a nossa falta de soberania, assistirem ao Jornal Nacional e dar até boa noite para o Willian Bonner. Agradecer a ele pela iluminação!

Que fiquem com todo o ouro que arrancaram daqui. Que até mesmo fiquem com os lucros de todo o dinheiro que acumularam com o esgotamento de nossas terras, através da nossa aparentemente eterna vocação agrícola. Podem ficar até mesmo com o monopólio da produção de cerveja do país. Não nos importamos. Ficamos aqui com nosso cascalho, nossos desertos, e a nossa sede. Mas que daqui pra frente, nos deixem em paz, nos larguem à nossa sorte... Que, principalmente, nos respeitem!

Porque, ademais de brasileiros, somos tão humanos quanto o povo do norte ou os somali. E merecemos algum respeito.

Chovendo canivete...

Num daqueles arroubos de inteligencia que, às vezes, me assaltam, pensei em algo deveras curioso:

Se a chuva fosse ácida, duvido que o guarda-chuva custasse 5 e o familião só 10 reais...

Pior: achei de uma genialidade incrível e, além de botar no meu buzz (sem querer, pois achei que era só uma frase inocente, que as pessoas leriam ao ver minha eterna indisponibilidade para o chat do gmail), fiquei alguns minutos pensando em variações, como a que propõe o título...

Nesse exato instante, a criatividade desconhece fronteiras, e avança...

E se elefantes voassem...