quarta-feira, 28 de abril de 2010

O monstro...

Já contei alguma coisa sobre meu amigo Bruno Monstro por aqui. Se não me engano, comentei sobre quanto me divirto com sua incompetência em conter instintos animais, e que o cara é praticamente feito só de músculos, coração e impulsos... No que aqui relato, não poderia ser diferente.

Combinei com ele que veríamos juntos todos os jogos do flamengo nesta libertadores... Sempre que o jogo fosse no Maraca, lá estaríamos. E mais: se o time chegasse lá, iríamos ao jogo fora da semi e da final, especialmente se eles se dessem por aqui, nos hermanos do sul. Isso nos pareceu suficiente para sagrar o Flamengo campeão das américas.

Mas desde que eu fui para Argentina, o time caiu muito de rendimento. Mesmo na libertadores, empatamos um e perdemos outro... Logo, a primeira coisa que fiz, quando voltei, foi ligar pro Monstro e perguntar o que estava acontecendo. Ele, que estava no maior do mundo para a semi-final do Carioca, disse que não sabia, mas que tudo estaria resolvido quando voltássemos a nos reunir para assistir aos jogos do Mengo!

Assim, topei a programação sugerida, e fui beber na chopeira que demos (eu mais dois amigos) para ele como presente de desquite. Não me pareceu nada funcional o aparato, mas ele a trata como uma filha... Na verdade, acho que não trato a Lili tão bem quanto ele trata a chopeira... Sou mais ríspido...

Depois de resumirmos os assuntos importantes, assistimos juntos ao horripilante jogo do Flamengo na Libertadores contra o universidade de não sei onde. Perdemos de dois a zero, e o time pareceu que nem entrou em campo... Foi triste. O Bruno, inclusive, antecipou em uns vinte minutos o comentário do narrador: 'é o pior jogo do flamengo nos últimos tempos'... Foi mesmo...

Mas, embora ainda não soubéssemos, a noite estava começando... Saímos, ele para comprar cigarro e eu para a casa da namorada. Impossível não fumar compulsivamente com todo o desgosto. Descíamos a escada quando me dei conta que havia esquecido minha carteira. Voltamos e eu assisti a cenas bizarras de duelo entre o dono da casa e sua fechadura. Tentei também abrir a porta, sem sucesso... Ele explicou que deixou a chave boa com a moça da faxina, pra que não acontecesse com ela o que nos acontecia, e ficou com a ruim. Mas estava ruim mesmo a chave, não abria de jeito nenhum... Até que:

- Ih, bróder! Ihhh!

Sim, a chave quebrou, deixando o seu melhor pedaço dentro da fechadura. Minha primeira sugestão foi que arrombássemos a porta (minha carteira!), e achei hilário como o Monstro se pôs imediatamente em posição de demolição. Se errasse a porta e acertasse a parede, entraria do mesmo jeito. Em tempo, por sorte, pensei em procurarmos um chaveiro e, cena impagável, vi o cara olhar para cima e tentar refletir. Acho que funcionou, porque ele abandonou os instintos e colocou o 'modo de ataque' em suspensão...
Em suma, eu estava sem dinheiro, sem vale transporte, sem vale alimentação, e o Bruno sem casa... Mais de meia-noite em Vila Isabel... Bem, ao menos ele tinha a pochete... E isso, para ele, é muito!

De fato, o problema é que a pochete dá superpoderes ao meu amigo. E ele recusou a oferta para dormir na casa da minha namorada, pra tentar a sorte pela noite... Tinha certeza que, pela manhã, o orçamento de 120 reais para abrir a porta seria significativamente diminuído (e foi mesmo, saiu por 40) e preferia esperar pelo sol a ter acesso imediato à sua residência. Outro problema é que a sorte nem sempre está ao lado de meu camarada e, frustrados os iniciais e mirabolantes planos, acabou num hotel qualquer, por lá mesmo, e perdeu o dia seguinte de trabalho arrumando alguém para abrir a porta. Bem, considerando a miríade de desdobramentos possíveis para a noite do cara, acho até que a sorte, apesar de tudo, sorriu pra ele.

É na casa desse sujeito que estou morando enquanto o meu apartamento não fica pronto... Sorte minha!

Argentina querida...

Os Argentinos reclamam de tudo. Simpatizei de cara, ranzinza que sou.

Na milonga, vibravam com suas músicas. O tango tocado ao vivo, sem amplificação, saía de dedos e gargantas que nos intervalos diziam que o silêncio é o melhor aplauso. E agradeciam a tudo, aplauso, trocados, atenção, silêncio...

Dois sujeitos cantavam especialmente bem. Para aqueles, o silêncio se faria, mesmo que estivesse muito mais bêbado ou ruidoso o pequeno público do pequeno local. Um pela potência da voz e o virtuosismo do amigo que acompanhava à sua com outra guitrarra, o outro pelos trejeitos, pelo lenço escorrido do pescoço e pela boca exageradamente aberta para deixar escapar em um fio, lindíssimo, a primeira frase da canção: "que risa...".

Não vi do que reclamar... Aplaudi o que pude, extasiado.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Imitações

Já me perguntaram se era eu o sujeito que aparece numa participação estapafúrdia em Os Normais 2 (que, diga-se, é médio). Não, não era. Mas o sujeito, não me lembro bem se de cima do nariz pra baixo ou de baixo do nariz pra cima, era mesmo muito parecido comigo. Uma semelhança um pouco constrangedora, até mesmo pelos trejeitos que, embora me pareça que não, acho que tenho. Mas não, não era eu. Era mais um desses indivíduos que ganham a vida me imitando. Alguns, ilustres desconhecidos, como meu sósia e amigo Sidney. Outros com alguma circulação na mídia...

Tem o Oswaldo... Montes Claros... Não! Montengro! Oswaldo Montenegro. Me imita desde moço, esse rapaz. Dizem que faz umas músicas, mas não ouço. Na verdade, mal conheço. É que com Osvaldo tenho algumas rusgas. Gostava de Paloma, e ela já dava sinais de abertura quando ele apareceu. E eu acho que isso é furar-olho. Por motivos afetivos, não ando com gente assim.

Ademais, tem o cara! E esse eu considero amigo... Nos falamos sempre. Ele me chama Braz, e eu contesto Jota. Um tipo fora de série. Me imita quando pode, porque a fama acabou com ele, matou seu tempo. Ele ainda não aceita o assédio e tem vergonha de umas cicatrizes. Tolera mal não ser deixado em paz, e sempre pisca quando tira fotos. Prefere Guedes, que herdou da mãe, mas o povo insiste em chamá-lo de Jesus Cristo.

Há pouco cansou de tudo e foi pra Machu Pichu, onde canta mantras e vive só de luz. Mas manda e-mails regularmente, e já apareceu de repente pra umas cervejas. Somos compadres, e muito parecidos. Mas eu pego mais mulher que Ele, talvez por ter dado uma limpada no meu visual. Por mais que eu diga: barba rente é o canal; ele insiste em manter-se cabeludo e o bigode esconde o seu sorriso. Jota é quase um caso perdido...

Ele é muito mais popular, acho que sou mais preciso.

Desígnio

Discorria sobre os acontecimentos da noite anterior enquanto o cigarro, deposto no cinzeiro quase morto, terminava de esvair-se. Arfava desconexa, aferrada que estava com a vividez da lembrança. Cenas, cheiros, sabores, dores e ruídos praticamente reais lhe perpassavam o corpo. Ela eriçava, encolhida ao meu lado. Mentia o mínimo possível e muitas palavras escapavam por pouco do trincar dos dentes. Rosto desfeito, lágrimas secas inundando cada sulco, contava baixo. Explicações precisas, frases feitas para um desgosto recente. Escutei, calado para além dos suspiros. E disparei o que pude do que concluí. O raro efeito sentido, consolo somente, deixou-a respirar. E o abraço apertado cedeu por um instante, enquanto o corpo se enchia de alento. Um belo momento, dos que não alcançam filmes ou fotografias, mais feito de sentimento do que coisa dita. Um silêncio cego, furioso em seu apego à situação inteira. Se a ele se seguisse um grito, não seria estranho. Mas, ali, manteve-se firme, calando tudo, menos o pensamento do par. Cada qual com sua linha, voava longe, num divagar impreciso. Ela e a lembrança, ele e o consolo, o abraço e o suspiro... Cacos de um mito particular, refazendo-se. Contas de vidro. Conto onírico. Delírio mútuo. Desígnio.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Dengos

Devido à multidão de mosquitos inocentes (apesar de seus hábitos alimentares doentios) que nos cerca, resolveram lançar ao ar venenos que os matasse. A expansão do surto epidêmico, normalmente confinada às zonas periféricas – ou centrais, mas mais humildes –, acabou alcançando as áreas mais nobres. A bem da verdade, estava, tranqüila, sobre a cidade inteira, a epidemia. Ainda sem culpa maior do que ter aproveitado as condições favoráveis para se reproduzir de forma otimizada, resolveram, os mosquitos, dividir o mundo conosco. Afinal, vida de mosquito, além de dura, é curta! E eles devem ter algum entusiasmo pelo sexo também.

Voltemos ao veneno. Daquele que lançaram pelos ares e que, enquanto os seres humanos – e muitas outras formas amigas – passam ilesos, lesa seriamente o mosquito. Na verdade, lesa seriamente sua família inteira.

Não temos culpa de serem tão pequenos os mosquitos... Caso pudéssemos, e tivéssemos as ferramentas para isso, castraríamos, faríamos modificações genéticas para dar-lhes civilidade à mesa, e fazer de suas picadas uma delícia também para nós. Mas não podemos, e castramos matando mesmo.

O que passa é que as borboletas, que têm tanto de mosquito quanto de gente, também não gostaram do veneno. Apesar de espécie amiga, afim aos usos lúdicos dos olhos humanos e, portanto, por eles razoavelmente respeitados, padecido seu lado mosquito, já não podiam ser. E também morriam. Os humanos não chegaram a ficar tristes. Cada qual culpou quem pôde pelo fato de a epidemia ter derrubado tanta gente importante, e matado alguns anônimos (das partes periféricas, ou tristes). Todos querem o fim da farra do mosquito. Debatem sobre isso na televisão... Querem que ele volte para o Egito, de onde não deveria ter saído. Isso se o fato de aqui haver destes do Egito não nos faça ignorar a existência, também nefasta para nós, dos nativos mosquitos. E também, claro, do fato de que o que aqui temos veio junto com os homens que trouxeram da áfrica, seus braços, filhos e mosquitos, dentre muitos outros aparatos.

Retomemos as borboletas. Elas também sumiram. Mas sabemos que, assim como o mosquito, algumas delas sobraram para contar estórias e seduzir seus parceiros para, num lapso de glória, reformar o ciclo e dar-lhe novo andamento. E o provável é que, voltando os mosquitos, voltarão as borboletas, mesmo que seja numa próxima (ou distante) estação.

Eu me vanglorio por ter estado com uma borboleta por algum tempo. Talvez a tenha salvado do extermínio. Talvez estivesse gestando dos seus, ou preparando-se para isso. Talvez eu os tenha salvado todos. Preciso confessar que a borboleta ficou grudada numa mancha de cerveja seca que havia no chão de minha sala, fruto de uma festa humana. Achei que estivesse, como as do veneno, morta. Perguntei, me respondeu que não, que estava bem. Na verdade, o cheiro de cerveja na sala seria suficiente para embriagar uma criança e acredito que a borboleta tenha passado por bons e maus bocados, sinceramente bêbada.

Depois de um tempo, ela ficou presa entre os dois vidros da janela de correr. Ignoro como tenha chegado até ali, mas parecia bem, hiperexposta em uma vitrine. Consegui, por fim, manobrar para libertá-la e, para minha surpresa, após quase uma semana de latência, ela voou...

Eis que hoje, algumas semanas depois, uma outra borboleta me invade a casa. Num quarto mais alto, uma janela maior, soberana sobre os vidros superpostos. Livre. Um pouco menor, cores mais brandas. Variações de ocre, amarelo, marrom e uma vermelhidão puxada para os precedentes tons. Esta parecia um mapa mundi, daqueles antigos, que os homens que aqui chegaram com seus mosquitos e sua forma peculiar de fazer as coisas – e, em suma, levar a vida – costumavam desenhar naquele tempo.

Essa ficou comigo, mas por menos tempo. E foi bom assim também.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Da sorte das moscas e dos médiuns

Eu penso muito. E, talvez por isso, passo boa parte do tempo em que caminho pelas ruas olhando pra baixo. Mas não me detenho nos detalhes dos calçamentos, nem no provável cardápio dos cachorros que se aliviam pelas ruas, nem na diversidade de detritos que boa parte das pessoas consegue, simplesmente, atirar ao piso. Na verdade, enquanto penso, tenho os olhos baixos, mas desfocados...

Assim, nos lapsos entre os pensamentos, acabo escutando cada pérola. E rio sozinho, às vezes só por dentro, de tanta coisa que o povo fala.

Me diverti muito (embora quase ninguém para quem contei tenha achado qualquer graça) quando ouvi o sujeito que vendia raquetes eletrificadas dizer:

- Mata mosca, mata mosquito... E quando morreu, já sabe: tá morto!

Achei hilário! (sério!)

Mas hoje foi um pouco diferente... Depois de três semanas longe da cidade, ouvi um novo chamado, numa voz aguda:

- Chico Xavier, Chico Xavier... O filme!

Pensei um pouco nele, no Chico, o Xavier... Da mãozinha no rosto para psicografar, e toda a estória com a peruca... Então, ressoou, grave como um trovão, uma voz pra lá do além:

- CHICO XAVIEEEEEER...

Tive medo... E nem virei para conferir...