quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Planeta dos macacos

Algum tempo atrás, verão a pino, fez calor. Repercutiu no coletivo um alarde sobre o aquecimento global e os efeitos nefastos que a maneira como levamos nossas vidas parece ter sobre a preservação do planeta e, com ela, a possibilidade de reproduzirmo-nos. Para que possamos continuar a conversar nos coletivos (lotados ou nem tanto) sobre coisas como esta, vem se impondo uma questão preocupante: a humanidade seria um vírus que, com seus modos, estaria esgotando o planeta, gastando tudo para seu melhor fluir?

Lembro de que, quando eu era pequeno, tinha medo da bomba atômica. Fui dos últimos a nascer ainda na década de 70, e cresci assistindo filmes de guerras contra comunistas. Mero garoto, temia que alguém apertasse um botão e eu não pudesse acordar no dia seguinte, ou acordasse em sérias dificuldades. Certamente não saberia tanto quanto imagino saber hoje das possíveis conseqüências de uma hecatombe nuclear... Não precisava tanto. Tinha medo do botão, e de suas funcionalidades. Ignorava o posicionamento geográfico de Cuba. Desconhecia que, naqueles tempos, já havia algo sobre onzes de setembro. O medo simples de criança era o de não poder continuar sendo... Criança, por exemplo.

Hoje, creio, as crianças têm medo do aquecimento global, ondas gigantes, inundações... (Parece, pelo menos, que o botão voltou pra mão de ‘Deus’!) É um desdobramento confuso, que reveste o super-poder humano de uma nova capacidade de autodestruição. Não mais a crise dos mísseis, mera alegoria caricata, no patético embate de arsenais sempre prestes a serem acionados (enquanto pequenas guerras locais confrontavam os blocos, dando vazão a profusa produção de toda sorte de armamentos mais leves do que bombas atômicas), mas uma crise que adere, implícita, mesmo ao melhor funcionamento da vida Capital.

Reproduzir nossos debates e, orientados pelo norte da razão, ampliar o raio de ação de nossos esforços implicam em conhecer a relação entre o nosso ritmo – frenético – e o ritmo do meio. Urge reconhecer que há um descompasso, mas... Caberia tanto alarde?

Vejamos um exemplo: Há um sujeito que se considera, digamos, ecológico. Desculpem a ironia com que uso o termo, embora sequer se possa notar aqui (algo como um repuxo de sobrancelha e uma torção específica da boca, simultâneos à pronúncia, que transcrevo por ser imperceptível para a linguagem escrita). Enfim, esse sujeito é vegetariano (e pensa no direito dos animais, equiparando, de certa forma, senciência e consciência), separa seu lixo (apesar de saber do fato de que quem o coleta dá outro tratamento a sua divisão entre material orgânico e reciclável), e deixa o carro em casa durante a semana para ir trabalhar (até por ser mais barato, às vezes mais rápido e se poder cochilar pelos coletivos, ainda que sob o risco de perder um debate como o que se traça neste escrito).  Esse sujeito fez uma sessão de ioga, almoçou bem, jantou uma salada, e bebeu um suco e muita água durante o dia. Foi dormir cedo, como é de seu costume. Acordou cedo, e sentiu... Precisava se aliviar da pressão que toda aquela boa comida do dia anterior fazia nas suas intimidades. Foi ao banheiro, com sinceridade. E lá ficou. Largou-se ao ofício de esvaziar-se que, convenhamos, todos nós sentimos apesar da diversidade das regularidades.

Lá ficaram os detritos, que uma descarga pródiga encarregou-se de lavar. Levando pra onde, não se pode importar. Mas lá foi ela, e suponhamos que tenha chegado a uma estação de tratamento de esgoto, tenha sido processada e atirada, por fim, ao mar por um emissário muito comprido. ‘A minha merda está lá, ao longe’, sonhamos... E seguimos dormindo com a consciência tranqüila. Vaca viva, lixos distintos separados aos sacos (sacos unidos, contudo), carro na garagem e cocô naufragado em mar aberto e distante. Somos felizes.

No entanto, com o perdão da escatologia, detenhamo-nos na cagada. Existem, hoje, algumas técnicas de compostagem que podem dar um tratamento – diverso do proposto até aqui – ao esgoto. Nos rudimentos de meu conhecimento de cidadão urbano que come carne, joga lixo até no chão, e só não sai de carro porque não tem um, sei que se pode preparar um sanitário seco, do qual sairia adubo depois de alguns meses de fermentação e ação de bactérias. Sei também que com um pouco mais de dinheiro, o metano produzido poderia servir gás para alimentação de fogões e, quiçá (com a disponibilidade de muita merda), alguns aquecedores.

Em suma, o que quero dizer é que hoje, cada um tem o seu botão. A destruição do planeta parece depender de cada um de nós. Já há tecnologia para uma vida saudável, sem maiores atritos (do que os já estabelecidos, que são muitos) entre o ser humano e a Terra. Mas falta um novo paradigma. As pessoas precisam gastar uma parte maior do seu tempo com questões de sobrevivência, subsistência, ao invés de entregar mais do que o terço que dormimos diariamente ao trabalho. O caminho pela vida precisa ser entendido de forma mais complexa do que simples venda de tempo em troca dos trocados que nos custeiam. Para que se possa pensar, enfim, em algo mais do que ‘conforto’ nos sempre esporádicos momentos de ‘lazer’. As vidas precisam ser mais harmônicas. Afinal, a rotina é desgastante para todos, mas todos, virtualmente sem exceção, compactuamos com ela, com seus méritos, suas políticas.

Os autodenominados ‘revolucionários’ de hoje são uns chatos, quase tanto quanto eu e minha inconsistentes teorias, manias e ignorâncias. Seres urbanos, adeptos dos debates, em sua estúpida maioria. Debates urbanos, para a manutenção e desenvolvimento da urbe, embora para novos fins. Talvez, contudo, a urbe precise se subdesenvolver. Temos bons veículos, podemos ficar mais distantes... Nos centros, onde tudo é próximo, se pode andar a pé. Nas casas, chamamos amigos, que vêm com rapidez e economia. Não precisa nem de tele-transporte, o caminho é bom. Haveria festas. Um pouco como há hoje. Enfim. Nós somos sempre isso. E somos cada dia mais... Uma continuidade dentre o devir constante. O neo-absolutismo... Um grupo, o planeta todo.

Eu, por exemplo, queria muito que o mundo fosse um pouco mais como eu queria que o mundo fosse. E o problema, quiçá, seja este: tem muita gente parecida comigo, que prefere ater-se com vigor a suas convicções e preguiças, ao invés de aceitar algumas divergências e trabalhar junto por uma nova forma de existência.

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