quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Ibitipoca

Foi uma dessas doideiras que a gente faz pra entender que, numa próxima vez, melhor seria pensar melhor.

Eu estava sem tirar férias há um ano e pouco e já dava os primeiros sinais de estafa. Estava ficando meio maluco. Afinal, aqui no banco temos diversas regalias, benefícios, mas, especialmente quem atravessa seu primeiro ano de serviço, não tem direito a enforcar um feriado sequer. Perdi algumas boas oportunidades com a namorada e os amigos. Em suma, não viajava desde que voltara do México direto para assinar o contrato de trabalho.

Num desses arroubos esotéricos que, vez por outra, se abatem sobre mim, decidi que iria para Ibitipoca. Os relatos que busquei na internet contribuiam para lançar uma névoa de misticismo sobre o lugar, sua natureza exótica e deveras exuberante. Pedi os primeiros dois dias de folga no meu novo emprego para esticar um fim de semana no parque nacional e vivenciar a 'revelação' que parecia estar batendo à minha porta.


Fui convencido de que encontraria um duende. No fundo, acredito que existam duendes, mas eles não têm poderes mágicos. São prestidigitadores natos que, dado seu reduzido tamanho e agilidade desconcertante, são incumbidos de furtar isqueiros para acender a infinidade de incensos consumidos no mundo da fantasia. Afinal, não há produção material por lá e corre solta a notícia de que fadas, gnomos, anjos, curupiras e até mesmo o saci pererê acabaram viciados na tecnologia da chama fácil, abandonando definitivamente suas formas arcaicas de produção de fogo. Por isso os isqueiros desaparecem com tanta frequência, às vezes de dentro dos bolsos! E os malditos duendes, dizem, gozam de enorme prestígio no universo paralelo dado o monopólio do fornecimentos do aparato!

Bem, claro que não é nada disso. Nem nas fadas acredito, imagine os duendes. Mas (quase tão exdrúxulo quanto acreditar neles) levei mesmo alguma fé de que havia alguma 'mensagem' para mim em Ibitipoca, já não me lembro bem por quê. Tinha nada, mas só soube quando voltei. E ainda estou contando da ida. Cabe a mim não antecipar os fatos.

Para começar, preciso confessar que ir de ônibus daqui para o interior de Minas é uma tarefa inglória. Não sei ao certo quanto tardei, mas especulo algo entre 9 e 12 horas. E a cada minuto que me afastava, em um dos três onibus que peguei para alcançar meu destino, imaginava quão mais tortuosa não seria a volta... Felizmente, não sou de desistir no meio do caminho (se necessário, desisto no início mesmo), especialmente das empreitadas mais sem sentido a que me dedico. Ademais, era um desafio. E acho que gosto de (alguns) desafios.

Consegui levar um monte de tralha, tudo só pra mim. Me orgulhei de caminhar quase uma dezena de quilômetros com tanto equipamento (e peso!). Num rasgo de luxo, em geral, levo até meu travesseiro de penas. As pernas ainda aguentam praticamente qualquer coisa, e eu abuso, castigando ombros e costas. Quando fiz a mala, sequer desconfiava das subidas generosas, sem sequer uma remota chance de conseguir carona, que enfrentaria.

Cheguei na entrada do parque já quase na hora de fechar. Paguei o que, por ali estar, já devia. E fui entrando... Mas não havia chegado, não ainda. O sujeito da portaria informou que a área de camping estava a mais de um quilômetro dali... Então, tive o meu primeiro choque andarilho. Mais um quilometro, naquelas condições, certamente pareceriam três! E pareceram, apesar do declive da via que, de certa forma, desperdiçava quase todo o esforço que fizera para subir... Ah, uma bicicleta numa hora dessas! Não tinha...

Terminei de montar a barraca, já escuro, com a ajuda da lanterna que comprei no único comércio dentro do parque e, para quem estava, como eu, traumatizado com a distância do centro do vilarejo, único estabelecimento comercial do universo. Me dei conta, com desespero, que havia gastado muito do dinheiro (em espécie) que levava pelo caminho. Pelos meus cálculos, além da grana para os ônibus da volta (até o caixa eletrônico mais 'próximo'), tinha o suficiente para uma refeição diária e uns dois pacotes de biscoito, para quando a fome apertasse no intervalo entre um almoço e outro. Cara, nessas horas é foda ser pão-duro! Custava ter tirado mais alguns reais e, se fosse o caso, voltar com eles pra casa? Custa! Custa muito, quase sempre.

Adriano era o nome do sujeito muito simpático que cuidava da venda. Ele foi, por diversas vezes, minha única companhia no parque. Quando cheguei, servia cerveja para o chefe da reserva. Carioca gente boa, morava lá havia alguns anos. Conversei rapidamente com a dupla e fui para meu acampamento solitário. Só na barraca, só no camping... Quando me afastei das luzes da venda, vi acender o céu mais impressionante que já vi na vida. Ainda olhava para o alto embasbacado quando senti a tremedeira! Ossos já gelados... Frio!

Corri para meu abrigo tremendo horrivelmente e descobri que, dentre minha muita tralha, não havia cobertores suficientes... Afinal, fui presenteado com uma das noites mais frias do ano até então... Algo entre três e sete graus, não lembro bem... Dormi pessimamente, só quando começou a amanhecer, no curto intervalo entre o frio congelante da noite e o calor insólito do sol alto que lá fazia.

Relatei o ocorrido a meu novo amigo que, extremamente prestimoso, me ofereceu um cobertor. Ele também, ciente de minha situação financeira, caprichava muito nos almoços, que consumia depois de uma tarde de caminhadas. Me ofereceu drogas leves, como alguns goles de um conhaque terrível. Eu aceitava os mimos, muito por necessidade, mas por perceber que ele havia se conformado com o fato de que eu traçava suas refeições com disposição invulgar, mas não estava disposto a comê-lo.

De dia, era o caminhar...

Paisagens realmente alucinantes, rio e rochas poderosas. Mas água fria, de gelar num átimo todo o calor acumulado no caminho. E que caminhos. Pontos em que, equidistante entre o nada e o nada, me sentia mais sozinho do que nunca. E brincava comigo.


Para resumir a questão... Ibitipoca é lindo, deveras. Mas trate de levar o seu amor consigo! E faça um favor para o seu amigo: vá de carro!

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