quinta-feira, 22 de julho de 2010

Terça terçã

Graças a qualquer coisa, não se pode filmar o que acontece dentro de nossas cabeças. Seria algo realmente constrangedor observar que é exibido, tal filme, o que estamos pensando.

Passei a noite nisso, evitando e, quando possível, omitindo...

Na verdade, não. Tenho uma insólita capacidade de ser desconcertantemente sincero. Hoje, menos sonso, percebo a reação das pessoas, e que nem sempre sou feliz em minhas colocações. Mas sinto cada vez menos dificuldades em expressar exatamente o que penso. Na verdade, se formos analisar mais profundamente, tomando a noite passada como referência, de fato me deixei quedar em assuntos já esgotados, isolado num canto, ligeiramente acompanhado; fui menos incisivo do que ‘gostaria’ com algumas situações afetivas, como sempre, aliás; pareci arrogante em alguns momentos, embora, ciente de mim, tenha me desculpado ostensivamente, obcecado por conviver que estava; ri como um louco de chistes meus, e alheios; expressei-me aos gritos, ao ponto de ficar rouco; especulei sobre revoluções, ainda que ainda queira ficar rico; fui indiscreto, talvez em demasia, sobre minha atual situação; revelei segredos sobre o funcionamento dos homens para mulheres; indaguei sobre o monopólio do samba, ou da tradição da moda; comprei muitas três cervejas por cinco; carreguei a mochila e o livro que nela leio por osmose durante toda a estada; por fim, encarei a estrada recusando convites – fica!, diziam; e nem caí cochilado no meu coletivo, que veio fulminando o asfalto. Apenas poucos instantes de um relaxamento estranho (levanto os joelhos, apoiados sobre o banco da frente; ora pés pendentes, ora postura iogue de calcanhar na bunda, ou sob esta, em configurações momentaneamente confortáveis), típico de pessoa esquecida pelas médias, imprevista para o espaço disponível. Não lembro onde saltei para me socorrer num taxi. Fomos voando. O motorista mudo enquanto eu me desconectava de frases soltas e, em geral, inaudíveis. Acabei chegando em casa, quase sem perceber... Minha casa! Amo chegar na minha casa!

Mas preciso voltar do relato rico para a filosofia barata, baratinha. Uma pexincha!

Falava sobre o ato de falar. E como, além da sorte, alguns recatos nos podem encaixar numa comunicabilidade mais branda, que acaba gerando dividendos neste gigantesco jogo da vida (da Estrela? Ou Grow?) que compartilhamos. Na escrita, talvez seja mais difícil ser completamente espontâneo. O tempo é muito para refletir sobre o que pode ser dito. E os recursos para apagar são vastos. Refazer é fácil, ao menos desde que inventaram a borracha. Hoje, ainda mais frenético, há uma tecla para apagar o que teclamos com as outras. Pra ela, criaram verbo na nossa língua. Reformulações épicas foram rebaixadas a atos banais. Criou-se a super-escrita, arriscaria, com muito medo de errar depois da última reforma de ortografia.

E a gente fala o que pode, o que consegue alcançar. Entre um trago e outro do cigarro. Entre um trago e outro, traz à tona o que imagina. Vara o mundo, sujismundo, clandestino, vira a noite escrevendo poesia. Vê o verbo enquanto vaga a madrugada embriagado... Delírio de lira ao longe.

Corri até o ônibus, quando ainda lá. Gritei, gritaram. Já quase ia, o bicho. Entrei – boa noite... bom dia! – e receberam o meu cartão. Vim, daquele jeito já dito. E aqui estou, viajando...

Preciso dormir, eu e meus micos.

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