segunda-feira, 26 de julho de 2010

De pombas, galinhas e bundas.

Quase sempre caminho numa velocidade muito acima da média. Na verdade, vendo muito caro qualquer tentativa de ultrapassagem e, mais de uma vez, assisti meus oponentes improvisados afastarem-se lentamente em uma releitura da marcha atlética, ainda mais patética pela falta de contexto. Afinal, provas de marcha atlética chegam a provocar uma ponta de vergonha alheia e, em geral, só se consegue tolerar a estranheza do rebolado pelo fato de todos estarem, ao mesmo tempo, fazendo aquilo.

Algumas vezes, os insolentes que ousam impor sobre mim suas agilidades precisam mesmo arranhar um trote, nem que seja para abreviar o constragimento do momento (largo pela diferença minúscula de velocidade) em que emparelhamos. Hoje, passava por um senhor, em disparada, quando escutei o primeiro grito:

- Ahhhhh.

Me virei assustado para ver que ele levava a mão esquerda á testa. Acredito que a enxugava com um lenço, ou simulava este movimento. Mas o sujeito insistia em se pronunciar:

- Ai, ai, ai, mas assim eu não aguento. Como é que pode, rapaz, uma lindeza destas? Isso não é uma mulher, é uma tetéia!

De fato, mesmo com pressa, afrouxei o passo para observar o motivo da exaltação do senhorzinho. Uma bunda realmente bonita rebolava logo à nossa frente. Nada de exagero: tamanho exato; formato perfeito; empinamento consistente; marca sutil da calcinha, interessantemente pequena (pra mim, que não gosto de fios dentais, nem para passar nos dentes, nem para os assistir 'cobrindo' bundas), por baixo do jeans escuro; e um movimento enlouquecedor de quem parece saber que quase mata os velhinhos e atiça mesmo os garotões como eu.

Tive o impulso de comentar com ela que, realmente, estava deslumbrante, mas não tive tempo. Já quase alcançava a moça quando ela parou bruscamente para observar sua maquiagem no espelho que havia na coluna de um bar. De relance, vi o rosto que parecia não comprometer o conjunto, até porque a maioria dos homens não olha para cara de ninguém, e mesmo a minoria que observa outros atributos (dentre os quais, me incluo), costuma dar generosos descontos a assimetrias, protuberâncias desmedidas e qualquer outra inconsistência facial. Afinal, mesmo as mais fracas de feição causam frissom em caso confirmado de presença de outras qualidades, digamos, 'pronunciadas'.

Bem, é uma estória boba, eu sei, e, no fundo, belas bundas abundam. Ademais, o batom laranja que percebi no mesmo relance em que avaliei o rosto da protagonista da cena, me passou a impressão que ela teria, além de um conteúdo imprevisível, uma voz especialmente estridente.

Mas o que faz valer o relato - como sempre, aliás - é a fraquíssima teoria que o acompanha. Neste caso, percebi que, enquanto eu gosto de andar rápido, mulheres, em geral, andam com mais tato. Parecem conhecer - especialmente as belas, em qualquer acepção possível do termo - muito amiúde, a reação que causam nos mais diferentes 'públicos'. E eu sou mais bronco, atravesso, passo como um tanque. Ignoro, quase solenemente, se me encaram a bunda, ou outros atributos, e isso talvez não seja muito estratégico.

Por fim, para os bravos guerreiros que conseguiram chegar até aqui, após navegar neste infindo mar de baboseiras, gostaria de destacar a provavelmente imperceptível sorte que tiveram: também no caminho pro trabalho, assisti uma outra cena peculiar que, assim como a bunda e o delicioso sol de inverno que aqueceu a manhã, contribuiu sobremaneira para a minha felicidade parcial (até o momento, tudo ok!).

Faz tempo que não via disso, mas na rua dos bares especializados em todo o tipo de peixe, pela qual passo diariamente, há um matadouro. Um aviário, sei lá. Sei que é um lugar onde vendem galinhas e variantes, ainda vivos ou recém abatidos! Ali, além do inusitado de 'aceitarem jornais' como doação, paira um cheiro talvez pior do que o do ralo do meu banheiro.

Sempre passo olhando curioso para os frangos, galinhas e perus, apesar do olhar perdido que me retribuem, e penso no que pensam durante o tempo que têm antes de virar coxinha, outros quitutes, ou mesmo um despacho... Na cena de hoje, inédita, dentro da loja ainda fechada (é uma grade, se pode ver todo o interior), um pombo encarava os seus amigos de Classe (Recordar é viver: Reino, Filo, Classe, Ordem, Gênero, Espécie, sub-espécie). Todos, sem exceção, aves. Talvez pensasse, perplexo, que o fato de não ser tão saboroso lhe salva a vida e o mantém livre, ainda que não muito benquisto.

Mas se os atributos das pessoas, tal videogame, fossem escolhidos antes da partida da vida pelo próprio usuário do avatar, duvido que alguém escolhesse ser mais longevo em detrimento de ser mais desejado e, em suma, mais comido!

2 comentários:

  1. marcão, escreve sobre amor... como curar a dor de uma amor que acabou unilateralmente? ta tão difícil...

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  2. Caro(a) 'Anônimo', só atendemos pedidos de temas para quem se identifica.

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