segunda-feira, 18 de abril de 2011

Torto timbre

Domingo de sol escaldante no Rio. Fui, mais minha senhora, almoçar no famigerado Bar do Peixe que, por sorte minha, fica pertinho de casa. As instalações precárias são plenamente compensadas pelo atendimento impecável e pela delícia da comida. Comida simples, mas farta, e cerveja gelada, caso se imponha a necessidade de "ficar pensando melhor". Dispensamos a cerveja, ainda traumatizados com a ressaca que consumiu nosso sábado, e fizemos o mesmo pedido de sempre: meia porção de Namorado, arroz, pirão e batatas fritas.

Desistimos do café da manhã tardio e fomos direto para lá. Assim, fato até então inédito, chegamos cedo e conseguimos pegar uma das mesas que ficam mais próximas ao bar, completamente na sombra e sobre um rebaixo no meio fio que dá a nítida impressão de que o chão embaixo de nós é plano - verdadeiro luxo para os padrões do bar. Ademais, com poucos pedidos na nossa frente, sabíamos que mataríamos, mais rápido do que de costume, o que vinha nos matando.

Eu e a moça, que andamos conseguindo discutir pelos mais escalafobéticos motivos, estávamos num fim de semana especialmente apaixonado. Cúmplices na frustração cinéfila da noite anterior, nos exageros da festa de sexta-feira e mesmo na já citada ressaca subsequente, avançamos mais alguns passos na dificultosa conversão de amor sincero em felicidade conjugal.

De fato, tivemos pouco tempo para folhear as revistas que levamos. As previsões mais otimistas se concretizaram e, em poucos minutos, o Namorado já estava sendo devorado pelos namorados. Conversávamos algumas amenidades enquanto resgatávamos as espinhas mais inconvenientes. Fome e vontade de comer acariciavam-se docemente...

Até que um taxi parou atrás de mim para que uma turba de velhinhas desembarcasse. Como a rua é estreita, o trânsito foi momentaneamente interrompido. Era domingo, dia de descanso e calmaria, mas o filho da puta do motorista do carro que parou praticamente ao meu lado tascou a mão na buzina e esqueceu ela por lá... Deu tempo pra eu ter a reação, ponderar os riscos, levantar e caminhar um par de pares de passos em direção ao carro sob os protestos de minha companheira, que preferia que eu deixasse aquilo pra lá. O desgraçado continuava buzinando quando dei uns tapas no teto do carro e gesticulei que estávamos almoçando ali ao lado. De dentro do vidro fumê, ar condicionado ligado, o cara praguejou alguma coisa que não deu para entender, mas largou a buzina e esperou o restante do meio minuto que ficou parado em silêncio.

Voltei triunfante para a mesa, algumas das demais pessoas que estavam no bar também gritaram uns desaforos preguiçosos para o cara e a aprovação pelo meu ato era algo quase material... Sentei com a cara fechada, mais por maneirismo que por raiva, e voltei a me concentrar no meu almoço. Me sentia bem, e o apetite ficara intacto! Maior, talvez.

Então veio o maldito vascaíno! Dentro do seu jipe, janela aberta, a ausência de cinto de segurança parcialmente compensada pela faixa preta enviesada na camisa branca... Ele assistira toda a cena e, olhando nos meus olhos, deu duas longas e estridentes buzinadas. Tomado de ira, cuspi comida enquanto gagejava meus melhores impropérios, sem muito sucesso. Tremi de ódio quando ele arrancou, não sem antes (fingir?) cumprimentar alguém dentro do bar com mais alguns toques curtos. O apetite, seriamente comprometido, agonizava.

Que fique claro: sou entusiasta do futebol carioca, e prezo muito menos as rivalidades locais do que uma improvável hegemonia do Rio de Janeiro no futebol nacional. Embalado pela paixão do irmão tricolor, por exemplo, cheguei a ficar triste com a derrota do Flu na final da libertadores e, durante o jogo, embora sem saber torcer dado o arrebatamento rubro-negro, consegui até ficar apreensivo com o andamento da partida. Em solidariedade ao outro irmão, botafoguense, permaneço perplexo por conta das coisas que só acontecem com o Fogão... Mas o Vasco é diferente. O Vasco é escroto. Tenho ótimos amigos vascaínos, e alguns são até inteligentes. Mas é incrivelmente difícil de discutir futebol com eles. Parece que todo vascaíno é mais babaca - ao menos futebolisticamente falando - do que os flamenguistas mais babacas (a diversidade é implacável e alguns co-irmãos rubro-negros, de fato, chafurdam na mesquinharia cotidiana). Compartilham uma falta de senso crítico e humildade que, se nos amigos a gente tolera, desprezamos sem dificuldade nos desconhecidos! Coitados... O gigantismo da colina não se concretiza, e eles vivem vidas inteiras sob a sombra do vizinho super-poderoso. É compreensível quando resmungam baixinho, até por saberem que chororô histérico jamais é perdoado!

Por conta do motorista vascaíno, vibrei com os dois gols que o time levou do Olaria naquela mesma tarde... Não sou de fazer isso. Entendo que torçam tanto contra o meu time por inveja de sua potência e pelo tamanho de nossa torcida. Mas, como não vejo motivos para invejar qualquer outra equipe, me recuso a vibrar com gol alheio. Naquela tarde gritei "Mengo!" para o puto que comprometeu o meu almoço e espero sinceramente que ele tenha escutado o meu ou outros gritos semelhantes. Afinal, o Flamengo é infinito, e algum compadre, certamente, vingou os pedaços do nosso peixe frito que acabaram abandonados!

De toda forma, o que importa na parábola é perceber o quanto vivemos numa sociedade doentia. Por que diabos alguém se esmera tanto em reclamar ruidosamente de um atraso de 30 segundos em sua jornada? Em pleno domingo! E pior: qual o critério que determina que aquele vascaíno filho de uma quenga (e nada contra as putas, por favor!) possa circular num jipe daqueles e eu não tenha grana suficiente pra comprar meu fusca? Por fim, será que valeu mesmo a pena eu reclamar do barulho? Afinal, meu apetite é infinitamene mais importante do que aqueles apressadinhos de merda e suas mesquinharias!

Dúvidas persistentes. Conclusões fugidias...

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