terça-feira, 28 de setembro de 2010

A dor não vira as costas.

Dentre a infinidade de programações absurdas para uma sexta-feira, apelei. Fui na casa da ex buscar um televisor, regalado após a troca por um mais novo, mais leve e mais fino. Consultei meus músculos e eles, apesar do passado recente de inércia quase absoluta, confirmaram a disposição de enfrentar o desafio.



Como se não bastasse o peso do aparelho (certamente mais de um quilo por cada uma das 29 polegadas), o trajeto era terrível: do alto do terceiro andar do prédio dela para o carro, e do carro para o alto de meu primeiro andar alto. Outros fatores agregaram-se à empreitada: a estreiteza das passagens, a absoluta falta de elevadores e, nos últimos instantes de suplício, o fio ‘sem mãe’ que ficou dependurado e insistia em pousar justo sob o meu próximo passo.

Contrariando todas as normas de boa conduta ortopédica, depois de todo o esforço, me curvei abraçado ao monstro, e o pousei no chão com as pernas esticadas. Já não conseguia pensar em outra alternativa, e o fiz até com alguma desenvoltura. Assim, terminado o trabalho, ainda estava bem, embora suado e ofegante.

Despedi da ex e, antes de montar minha nova sala de exibições, deitei por alguns instantes sobre o colchão inflável que faz as vezes de cama de minha filha e, como sempre, estava um pouco vazio. Minha namorada, talvez impressionada por meu ato heróico, resolveu se jogar sobre mim. Fiquei bastante torto, mas estava exausto e aceitei a condição. Então, sem demorar muito, movido pelo desconforto, clamei por liberdade. Em seguida, mega-poderoso, levantei com um salto... Pronto!

Descaderei feio. Numa só puxada, uma dor lancinante avançou pelo lado direito da minha região lombar, e ali se instalou confortavelmente. Parecia não querer me deixar. Um fato raro para minha atual situação burocrata, especialmente pelo fato de que, até no futebol, estou sentado no Banco. Em suma, como estou praticamente aposentado dos esportes, fazia muito tempo que eu não tinha meus movimentos limitados sequer por uma unha detonada, um tostão bem dado, ou um tornozelo meio torcido. Ademais, realmente doente praticamente nunca fico.

No fundo, contudo, foi muito esclarecedora para mim a sensação de limitação que experimentei aqueles dias. Na rua, o vagaroso era eu. O alvo da chacota dos amigos pela lentidão incrível para sentar ou levantar de uma simples cadeira era eu. Era eu quem fazia as caras mais grotescas para avançar uns poucos passos.

Agüentei com maturidade a zombaria dos amigos, que me acusavam de ter abusado de usos outros (aos que estou acostumado) para a minha retaguarda. Entrava na galhofa alegando que fora a perda daquela virgindade que me rendera tamanho desconforto. Levantava ou sentava mais de uma vez a pedido dos amigos mais masoquistas, que se divertiam com minha lentidão e com as caretas.

Já no foro íntimo, o panorama tampouco foi consolador. Surpreendentemente, consegui comparecer no ato do amor, embora com algumas limitações que, no calor da hora, até eram excedidas. Mas não posso dizer o mesmo para o simples ato de me virar na cama, a aventura de calçar um sapato, o esforço absurdo para vestir a calça, a incapacidade completa de pegar qualquer peso.

Inicialmente, ombros e bíceps também ficaram bastante castigados. Sentia a tradução simultânea de meu recente sedentarismo no ácido lácteo que se acumulou nestes músculos. Me sentia um fraco, em todas as acepções possíveis do termo. Mas, como se a sabedoria tivesse acompanhado este breve insight sobre o provavelmente doloroso processo de envelhecimento, consegui ficar mais calmo e paciente e entender – com a série de choques nas cadeiras – que precisava ir mais devagar, ou me preparar melhor para os meus desafios.

Não fiz nada disso, até o momento. E a arrogância da ‘juventude’ voltou, tinhosa!

2 comentários:

  1. Boa Marcão!

    Agora você entende um pouco mais sobre a utilidade dos "concertadores" de gente como seu irmão!

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  2. Porra Braz, larga o BNDES!!! Do jeito que tu escreves podes ser um antropólogo fenomenal!!!

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