terça-feira, 28 de setembro de 2010

O poder da mente

Sou um pouco supersticioso. Não entendo bem por que, mas evito passar embaixo de escadas, bato 3 vezes na madeira quando necessário (e possível, pois o mundo é cada vez mais feito de plástico), entro e saio com o pé direito de diversos lugares, faço pequenas apostas comigo, e tento desviar do caminho de gatos pretos.
Não é sempre, mas com os gatos, por exemplo, tento refazer meu trajeto para não cruzar com a linha imaginária sobre a qual acabaram de passar, ou fico tentando mantê-los num canto, para que eu passe ao lado, ao largo de seus caminhos. Nesse dia não foi possível. O bicho saiu de surpresa de baixo de um carro, atravessou rapidamente a calçada, bem a minha frente, e entrou numa oficina.

Fiquei em situação complicada. Não conseguiria simplesmente fugir do seu rastro porque os carros estacionados estavam praticamente grudados uns nos outros, e precisaria voltar um bom pedaço para poder ganhar a rua e vir caminhando por ela. Por outro lado, me pareceu especialmente ridícula a possibilidade de entrar na oficina para contornar o gato. Ademais, tinha alguma pressa, como de costume.

Sem alternativas, rompi a fronteira imaginária com galhardia, mas, como sequer lembrava com qual pé entrara no universo que há após o traço invisível desenhado pela passagem de um gato preto (pretíssimo... nem uma manchinha!), decidi colocar em movimento o mecanismo de autonegação que – ao menos para a superfície de minha racionalidade – trouxe algum alento. Com a repetição exaustiva do pensamento “que bobagem, isso não é nada, não significa nada, não tem nada a ver...”, comecei a tentar me enganar.

Mas a impressão da situação continuava gravada em mim, e a precisão do gato ao me confrontar em momento tão indefeso era particularmente intrigante. Dali pra diante, não tive mais sossego. Alguns passos à frente, um par de senhoras caminhava de braços dados numa velocidade desconcertantemente lenta. A calçada, não tão estreita, permitia uma ultrapassagem certeira pela canhota. Mas – espanto! – tive que refrear o instinto de utilizar o nitro, e disparar no turbo, ao notar a presença de uma escada marota, apoiada sobre a marquise subseqüente. Preferindo não acumular os azares, esperei as senhoras passarem pela escada para fazê-las comer minha poeira.

O caminho para o trabalho é curto e eu já estava no final quando tudo isso aconteceu. Sinceramente, depois de tanto tempo vindo de Niterói para o centro do Rio acompanhando a crescente precarização do serviço oferecido pelas Barcas S.A., não pensava em conseguir tamanha “aventura” nos meus 15 minutos diários de caminhada. Mas as pessoas paravam subitamente a minha frente, me fechavam sem o menor aviso, carros avançavam para cima de mim, vinha uma bicicleta na contra-mão quando eu estava olhando para o outro lado. Eu já estava achando tudo engraçado, mas continuava repetindo que “não era nada...” por precaução.

Até que vi os sujeitos da prefeitura. Enquanto um escorava uma rede de proteção, o outro passava o cortador de grama num desnível do caminho. Eu vinha caminhando pelo lado oposto da rede, que protegia aos passantes do outro lado do canteiro. Tive certeza, na hora que os vi, ainda de longe: vai voar alguma coisa em mim, era só o que faltava!

E não é que, quando eu passei pelos caras, uma pedrinha acertou o meu joelho!? Ri no mesmo instante, de alívio. Mas depois, me deixei devanear um pouco sobre o ocorrido. A pedra poderia tomar qualquer direção depois de chicoteada pelo fio de nylon que esses cortadores de grama usam; qualquer minúscula diferença no meu trajeto seria suficiente para me desviar da mesma pedra – se não tivesse esperado para passar pelo par de senhoras, por exemplo; os caras poderia tentar 3 bilhões de vezes, com as mesmas condições, e jamais lograriam me acertar novamente a pedra etc. Em suma, o movimento da pedra até o meu joelho foi muito preciso e, pra mim, das duas uma: ou eu atraí a pedra até mim, ou previ que a pedra me acertaria.
E importa pouco qual das duas está certa. Afinal, nenhuma das duas pode ser explicada sem um leve constrangimento metafísico.

No caso, encontrei a explicação que mais me apeteceu: fiquei tão impressionado por uma convicção que transcende minha racionalidade que acabei fazendo uma ‘mágica’, um ‘milagre’ com a força do meu pensamento. Infelizmente, para o mal. Não que a pedra me tenha machucado, nem que se tenha concretizado minha previsão seguinte: de que meu joelho estaria prestes a estourar e a pedra seria, disto, um aviso. De fato, quando me dei conta que afundava em especulações sobre rompimento de ligamentos cruzados, dei um basta, e parei com a baboseira. Parei de me condicionar a lesionar o meu joelho que, obediente, já doía um pouco.

Mas fiquei marcado pela possibilidade de projetar coisas. O grande passo, contudo, está em acreditar nos meus sonhos como, involuntariamente, creio nas minhas superstições. Tê-los como amálgama disforme e indescritível e deixar que me guiem através da vida. Pressinto que saberei fazê-lo, um dia.

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